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Encontros de superfície
Relato para Permeabilidades – CEIA - 16 de julho a 4 de agosto de 2012
Este texto pretende constituir um testemunho, um depoimento sobre minha experiência no evento Permeabilidades.
O relato foi uma “encomenda” dos organizadores do evento. Oportuna tarefa. Escrever é parte importante de meu trabalho, não exatamente porque me ajude a organizar as ideias – embora funcione nesse sentido também - mas, porque, quando escrevo, alguma coisa me acontece.
Ele falou da escrita como uma luta amorosa com as palavras. Acho que foi um poeta. Eu acho isso bonito.
Um relato não é exatamente poesia, mas ainda assim não dispensa a luta e o afeto.
E escrever é, para mim, um movimento de “empoderamento”, mesmo se e, principalmente, porque passageiro. George Yúdice foi quem usou essa palavra, em um dos Diálogos Permeáveis. “Empoderamento” é também um conceito que habita o território das Ciências Sociais e aí alcança tamanha complexidade que já me adianto e esclareço as pretensões desse relato: você não vai encontrar aqui poesia, nem tampouco teoria. Eu lanço mão dessa palavra, levianamente, só para dizer a você - caro leitor - que a escrita, assim como o evento promovido pelo CEIA, colabora para produzir em mim certos afetos, essas poderosas partículas propulsoras de processos criativos.
Privilégio foi estar pertinho de Yúdice; eu que li muitas vezes “Produzindo a Economia Cultural: A Arte Colaboradora do InSite” e tudo fazia tanto sentido antes e agora mais ainda. Eu puxei conversa com ele e queria que o tempo ali fosse um pouquinho mais dilatado. Puxei conversa também com Branly López, aproveitando das oportunas circunstâncias. López pareceu-me um pesquisador comprometido e com uma rara disposição para o encontro discursivo. Falei com muita gente, colegas conhecidos e desconhecidos em algumas breves, mas, intensas elaborações e elocubrações estético-discursivas. Entre uma e outra pausa, no meio de uma ou outra atividade, informações, opiniões, argumentos ou mesmo olhares atentos e curiosos carregavam o peso daquilo que tem certa existência material, como são os objetos memoráveis.
No período transcorrido entre essas três semanas, guardo com especial distinção os momentos de partilha sensível com Vaughn Sadie, cuja atitude pedagógica e artística me encanta e comove. Assim também me impressionou a disposição generosa e a presença exuberante de Otobong Nkanga, e bonito foi vê-los ali, estabelecendo uma discreta e cúmplice parceria profissional.
Acompanho o trabalho do CEIA desde 2001, quando da realização do primeiro evento, que já trazia o sugestivo título: “Do visível e do invisível na arte atual”. A cada situação que a equipe CEIA desenha, projeta e transforma em efetiva realidade eu percebo a potência de um sofisticado projeto político pedagógico.
Nessas circunstâncias de encontros, de conversas, de coabitação, de trabalho e de silêncio, foi muito significativo testemunhar tantos processos idiossincráticos de criação (usemos ainda essa palavra) e perceber em todos eles um intenso e específico envolvimento dos artistas com seus fazeres e afazeres, o que, acredito, constitui parte indispensável daquilo que responde pela complexa e instigante questão acerca das especificidades do saber da arte, do fazer da arte, da arte como lugar.
Usufruir da tradução cuidadosa e paciente de Alexandre Martorano foi um elemento não apenas necessário para todo o processo, mas um dado especialmente significativo em minha compreensão do evento.
Ele criava as pontes provisórias; assim também Rafael Machado.
Então, testemunhar isso, tomar parte disso/nisso é o que fica comigo enquanto sedimento – chamemos isso de patrimônio imaterial - desses porosos encontros de superfície.
Eu quero aqui também agradecer.